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Basílio Almeida explica porque é que o jogador açoriano tem tanta dificuldade em singrar no futebol nacional

Se a esperança e a ambição dos amantes açorianos de futebol é verem os jovens talentosos das ruas e freguesias do arquipélago a se assumirem no futebol nacional ao mais alto nível, Basílio Almeida fez exatamente o percurso inverso: brilhou na I Liga e agora, aos 47 anos de idade, marca golos e dá nas vistas no Grupo Desportivo São Roque. Quando começou a dar os primeiros passos como jogador, ouvia sempre o que os mais velhos diziam. Hoje em dia, o avançado diz que os jovens não querem ouvir, o que se torna ainda mais difícil, tendo em conta o baixo nível competitivo da modalidade nos Açores. O problema de formação na região é grave e precisa de uma mudança, mas infelizmente, de acordo com Basílio, «todos sabem qual é o problema», mas «ainda ninguém fez nada».

Basílio Almeida explica porque é que o jogador açoriano tem tanta dificuldade em singrar no futebol nacional

Jogou no futebol nacional ao mais alto nível (I e II Liga) e está identificado com a realidade na ilha de São Miguel. Como é que explica que o jogador açoriano tenha tanta dificuldade em atingir o mesmo patamar que assumiu durante anos?

Tem a ver com o nível competitivo. No continente existe uma grande quantidade de jogadores que saem do futebol de rua. A competitividade entre eles é muito grande. Em 100 consegue-se escolher 20 ou 30 muito bons. E esses 20 ou 30 muito bons criam competitividade entre eles e cada vez querem ser melhores e querem superar-se uns aos outros. Aqui existe muito a ideia do qb (quanto basta): «sou bom jogador, jogo melhor que aquele», mas depois não tem mais ninguém para lhe fazer frente. Não há um avançado que faça mais golos que o outro e eles não se picam. Não há competitividade interna nas equipas e não há também muita competitividade entre clubes. Nos Açores é hábito um ou outro clube ir buscar os melhores jogadores das equipas todas e com eles ganha tudo e mais alguma coisa. Os outros clubes não têm nível competitivo para lutar pelos primeiros lugares. As equipas mais frágeis acabam por se desmotivar e não há um crescimento efetivo.

Se calhar então temos aqui um problema mesmo de formação...

Há um problema muito grave de formação. Tem de haver uma mudança muito grande nesse nível, porque não chega só ganhar internamente, não basta ganhar campeonatos regionais. São muitos anos seguidos em que as equipas vão aos nacionais da 2.ª divisão júnior e estão sempre nos últimos lugares. Ainda ninguém fez nada, mas todos sabem qual é o problema.

Que tipo de aprendizagem retira da passagem pela formação do Benfica? Acha que isso ajudou a sua transição para o futebol sénior profissional?

Isso vai ao encontro daquilo que é a formação nos Açores. Não é só o ser-se bom jogador. No futebol é preciso perceber que há momentos do jogo em que o atleta tem de saber o que se está a fazer. Eu também sou treinador. Nós chamamos os cinco momentos do jogo: a organização defensiva, a organização ofensiva, as transições defesa/ataque e ataque/defesa e as bolas paradas. Em todos esses momentos há tomada de decisão. Há o técnico, o tático, o físico e o psicológico. A esse nível é preciso trabalhar especificamente. Os treinadores têm de perceber que não pode ser só chegar ao treino e fazer uma «peladinha». Eles têm de ter um plano de treino. Há que haver trabalho específico de avançado, de finalização, como se transita para o ataque e para a defesa. Isso não é trabalhado. Às vezes há treinos «chatos» e táticos em que o jogador tem de estar mais um metro para aqui ou para ali. É preciso ter uma capacidade de aplicação e superação muito forte. O jogador açoriano não tem paciência e os treinadores também acabam por, se calhar, também não a ter, porque os jogadores não tiveram. Equilíbrios e coberturas são coisas que eles não sabem. É o mesmo que ir para a escola e aprender o 1, o 2, o 3 e depois começar a somar. Se não apanha essa prática, dificilmente será um bom aluno na escola. No futebol é igual.

Quando passou pelo Benfica tinha, exatamente, trabalhado todos esses fatores intensamente...

Eu quando estava nos Valadares era mais a minha capacidade individual que sobressaía. Quando entramos num clube onde há muito mais organização e a formação é muito mais exigente já se nota diferença. É a mesma coisa que sair do ciclo preparatório para o secundário. As coisas cada vez vão-se aprofundando mais.

Acha que se não fosse essa passagem pelo Benfica não tinha tido o rendimento que teve na I Liga?

Exatamente. Aquela transição de júnior para sénior é muito difícil. É a mesma coisa que sair da escola secundária para a universidade. Se não se tem bases, não se chega lá. Depois, como sénior, vai-se apanhando jogadores mais velhos, vai-se ouvindo e eu ouvia muito. Hoje em dia eles não querem ouvir. Chama-se à atenção e pensam que é para ralhar, mas não é. A lógica principal, seja da forma como for, é passar uma mensagem para eles aprenderem e eles também não gostam. No meu tempo eu ouvia os mais velhos porque estavam sempre a chamar a atenção e isso tudo era informação que me ajudava imenso.

Sente que os jovens hoje em dia olham para si como um exemplo?

Sim. Quando digo que o jogador açoriano não sabe ouvir, também não posso dizer que são todos. O que acontece é que existe apenas uma minoria de jogadores que querem ouvir. Há muitos poucos clubes de grande dimensão nos Açores. Quantos jogadores açorianos há no Santa Clara? O jogador açoriano está a crescer, está com qualidade, mas olha para cima e pensa «eu vou jogar onde?».

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