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Seleção/100 anos: Portugal cruzou fronteira rumo ao batismo na elite mundial

A seleção portuguesa de futebol jogou o seu tão ansiado primeiro encontro internacional há 100 anos, ao perder em Madrid com a Espanha, por 3-1, numa odisseia inimaginável na atualidade e com intrigas à boa maneira portuguesa.

Seleção/100 anos: Portugal cruzou fronteira rumo ao batismo na elite mundial

Além da secular rivalidade, a proximidade geográfica, que facilitava deslocações por via ferroviária, amparou as relações criadas entre Real Federação Espanhola, fundada em 1913, e União Portuguesa de Futebol (UPF), de 1914, na segunda década do século XX.

O primeiro duelo esteve para acontecer em 1912, não fossem divergências sobre quem suportaria as despesas da viagem arrastar esse desejo para depois da I Guerra Mundial, quando a competição lusa se limitava a jogos entre as seleções de Lisboa e Porto e aos campeonatos regionais nessas cidades, com clubes que também já iam ao estrangeiro.

Oito anos mais tarde, o assunto voltou à ribalta e foram retomadas as diligências para a realização do jogo amigável em 18 de dezembro de 1921, na mesma cidade onde, quase meio ano antes, a seleção militar de Madrid tinha batido a congénere de Lisboa, por 4-1.

Se a data do embate conheceu algumas mudanças até ser realizado em Manzanares, no antigo campo do Atlético de Madrid, sob arbitragem do belga Barrette Cazelle, Portugal enfrentou na preparação os tradicionais conflitos entre as suas duas principais cidades.

Raul Nunes, secretário da UPF, sugeriu como método de escolha dos melhores atletas a observação por uma comissão especializada das partidas de cartaz dos campeonatos de Lisboa e Porto, cujas equipas regionais eventualmente mediriam forças antes de Madrid.

Desagradada com a inclusão de apenas dois jogadores nortenhos - Lino Moreira e Artur Augusto, ambos do FC Porto - no conjunto de suplentes, contrariada pelo predomínio de lisboetas, a Associação de Futebol do Porto boicotou a preparação da seleção nacional.

Artur Augusto, nascido na capital, desobedeceu às diretivas dos ‘dragões’ sobre um jogo visto na cidade Invicta como “Espanha-Lisboa”, e juntou-se aos trabalhos sob alçada de Augusto Sabbo, então treinador do Sporting, que foi bem menos resistente à polémica.

Aposta da UPF para compor o primeiro ‘onze’ da seleção, o técnico viu a convocatória de Francisco Pereira ser criticada pela imprensa, levando à renúncia do então atleta do Belenenses, tal como do seu irmão Artur José Pereira, à época o melhor jogador luso.

Alberto Rio, também do clube do Restelo, retirou-se por motivo de doença, numa fase em que Augusto Sabbo se demitia e era apressadamente substituído por um vasto comité, liderado por Carlos Vilar, no qual estava o avançado António Ribeiro dos Reis (Benfica).

Picardias à parte, Portugal iniciou em Santa Apolónia uma longa e custosa excursão de comboio até Madrid, onde utilizou equipamentos cedidos pelo Casa Pia, recém-campeão regional de Lisboa, de camisola e meia preta, calção branco e escudo nacional ao peito.

Os ‘gansos’, fundados no ano anterior, foram o clube o mais representado no ‘onze’ luso, com quatro atletas, entre os quais o ‘capitão’ Cândido de Oliveira, que trocou de forma simbólica coroas de flores com o homólogo espanhol Mariano Arrate, da Real Sociedad.

A esse momento assistiram os representantes da República Portuguesa em Madrid Vasco Quevedo e Melo Barreto, além do rei de Espanha Afonso XIII e da sua esposa Vitória Eugénia, ilustres convidados entre mais de 12.000 espetadores presentes no Estádio Martínez Campos.

Em ‘2-3-5’, os lusos utilizaram os dois defesas António Pinho (Casa Pia) e Jorge Vieira (Sporting) à frente do guarda-redes Carlos Guimarães (Internacional) e atrás dos três médios João Francisco Maia (Sporting), Vítor Gonçalves (Benfica) e Cândido de Oliveira (Casa Pia).

Já o quinteto ofensivo, padrão tático vigente até à reconversão da lei do fora de jogo, em 1925, juntou os casapianos José Maria Gralha e António Augusto Lopes e os benfiquistas António Ribeiro dos Reis e Alberto Augusto, que alinhou ao lado do irmão Artur Augusto.

Sob orientação de Manuel Castro González e Julián Ruete, a Espanha subiu ao pelado com Ricardo Zamora, Pololo, Mariano Arrate, Balbino, Manuel Meana, Desiderio Fajardo, Francisco Pagaza, Eduardo Arbide, Félix Sesúmaga, Paulino Alcántara e Luis Olaso.

Indiferente às queixas lusas sobre um terreno muito estreito, com zonas arenosas e até desnivelado, a ‘roja’ teve um início demolidor, graças aos golos de Meana, do Sporting Gijón, aos seis minutos, e de Alcántara, do FC Barcelona, aos 10, que ‘bisaria’ aos 66.

Os receios de um pesado desaire foram atenuados aos 75 minutos, quando Pagaza fez penálti e Alberto Augusto, conhecido por ‘Batatinha’, bateu o lendário Zamora, do FC Barcelona, apelidado de ‘El Divino’ e então considerado o melhor ‘guardião’ do mundo.

A comitiva voltaria três dias depois a Lisboa e foi recebida por centenas de pessoas, moralizada pelo decisivo passo da UPF - que, em 1926, mudou a sua designação para a atual Federação Portuguesa de Futebol - no progresso de popularização do desporto-rei.

Depois de acenar à elite diante da vice-campeã olímpica em Antuérpia1920, com a qual mediu forças por mais 40 vezes e venceu pela primeira vez à 13.ª tentativa, em 1937, o organismo atenuou dissonâncias internas e acolheu mais associações, substituindo os campeonatos regionais por uma prova de dimensão nacional comum em outros países.

Inspirado no modelo primordial espanhol, o Campeonato de Portugal estreou-se com eliminatórias na época 1921/22 e passou a coexistir com o Campeonato Nacional da I Divisão desde 1934/35, até dar lugar à contemporânea Taça de Portugal, em 1938/39.

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