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Solidariedade e civismo levaram racismo no futebol às capas de jornais

A condenação do racismo na sociedade, bem como uma “narrativa de solidariedade” e o sentido cívico levaram os jornais a colocarem na capa os casos de Moussa Marega, Pierre Webó e Mouctar Diakhaby, nota um artigo académico.

Solidariedade e civismo levaram racismo no futebol às capas de jornais

O artigo intitula-se “A mediatização do ‘racismo’?”, é assinado por Fábio Ribeiro e Susana Pimenta, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e foi publicado na revista Motricidade em setembro deste ano, olhando para as primeiras páginas de jornais desportivos, com destaque para esta análise no caso de Moussa Marega, ocorrido em Portugal em 2020.

O investigador de media e jornalismo e a académica na área dos estudos culturais notam, no resumo do artigo, que a análise das capas de jornais, em Portugal, no caso de Marega, mas também em Espanha e Turquia, evidencia “uma condenação” do racismo.

“Através deste estudo de caso, conclui-se que o corpus, na generalidade, representa uma condenação das alegadas atitudes racistas enquanto crime público, quer através do discurso linguístico quer através das imagens selecionadas, gerando uma narrativa de solidariedade para com os futebolistas envolvidos”, pode ler-se nesse ‘abstract’.

Assumindo que o produto jornalístico é já “um produto resumido da realidade”, e portanto as capas de jornais “ainda mais”, é ainda assim evidente como o racismo, “tão frequente” no debate na sociedade, consegue “saltar logo para as manchetes dos jornais”, conta à Lusa Fábio Ribeiro.

Já Susana Pimenta destaca “sobretudo uma intervenção cívica e um alerta para a existência” deste fenómeno, que é crime, e a assunção, pelo jornal, de ter de “apelar a uma determinada cidadania”.

Olhando para o caso Marega, por ter acontecido em Portugal, há então, no dia seguinte, “capas inteiras” dedicadas ao tema, com uma mensagem de “condenação clara ao racismo, quase unânime”, o que aconteceu também noutros países com Webó e Diakhaby, o que apresenta questões quanto ao dever de isenção do jornalismo, alerta Fábio Ribeiro.

“Quando transitamos para o plano legal, da justiça desportiva e civil, o que vimos? Enormes disparidades, perante o clamor dos media. […] No terreno das consequências, temos muito poucas. Se as capas são um produto resumido, mais responsabilidade e cautela se pede”, lembra.

O maliano Moussa Marega, então no FC Porto, foi alvo de insultos e cânticos racistas, audíveis na transmissão televisiva e entoados por mais que uma pessoa, em 16 de fevereiro de 2020, no estádio do seu ex-clube, o Vitória de Guimarães, e acabou por abandonar o campo em protesto com a agressão de que foi alvo.

À margem de sanções no campo desportivo para o Vitória, além da interdição dos estádios, três adeptos foram condenados pelo Tribunal de Guimarães, em 2021, com uma pena leve que envolveu a publicação de um pedido de desculpas e uma multa de mil euros.

No caso de Mouctar Diakhaby, a Liga espanhola não encontrou quaisquer provas de que o espanhol Juan Cala ofendeu, com insulto racista, o defesa do Valência, durante um jogo em abril de 2021, que o futebolista da Guiné Conacri também abandonou.

Mais pesada foi a sanção sobre o quarto árbitro Sebastian Coltescu, suspenso pela UEFA por usar um termo ofensivo dirigido ao camaronês Pierre Webó, adjunto de Okan Buruk no Basaksehir, que defrontava o Paris Saint-Germain na Liga dos Campeões, em 08 de dezembro de 2020, com o jogo a ser adiado.

“É sempre difícil fazer uma manchete de um jornal, é ali que se vende e se decide o sucesso de uma edição em particular. O que vemos é sempre quase um estereótipo. O jogador a abandonar o relvado, ou furioso, fora de si, […] é aí que está a notícia, a imagem justifica”, acrescenta, notando que as capas, algumas com “fotonovelas do sucedido”, denotam falta de diversidade e alguma superficialidade.

Susana Pimenta afirma, por seu lado, como há “um longo trabalho ainda por fazer” no que toca ao racismo na sociedade, apesar do “grande alerta para a existência do racismo em Portugal e na Europa”.

“No fundo, o papel das capas foi esse mesmo. Em Portugal, é preciso denunciar. Também pode ser considerado como ‘OK, esta capa vai vender porque fala de racismo, e racismo é um tema que é bastante explorado pelos media e se calhar vende’. Mas eu estou em crer, ainda acredito, na intervenção cívica do jornalista”, explica.

O futebol como “mundo aparte”, até de outras modalidades, tem no caso Marega um espelho do melhor, na “união de muitos clubes para estarem ao lado do jogador, mesmo sendo rivais”, e na forma como inflama espíritos.

“O jornalismo tem de fazer o seu papel, tem essa postura cívica, tem de estar atento a estas questões e denunciá-las. Questionamos, neste trabalho, as condições dessa denúncia, e do ponto de vista ético levantam muitas questões. Dizer ‘foi racismo’ é uma acusação muito grave que pode prejudicar a credibilidade de um jornal”, comenta Fábio Ribeiro.

Usando a terminologia da imprensa, deixa ainda “uma nota de rodapé” para o jornalismo dedicado ao futebol e ao desporto, após um trabalho que, dizem os investigadores, vai também marcar presença nas aulas de jornalismo e estudos culturais na UTAD.

“Se isto é importante, decisivo e determinante, o jornalismo devia ir atrás de mais histórias de racismo no futebol. [...] Saber as histórias de gente que ainda está a sofrer”, recomenda o investigador.

E Susana Pimenta comenta que, “se calhar, o futebol é uma representação da realidade, e da realidade social”. “Será que somos assim?”, questiona.

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