Rui Vitória entre a má forma e o bom conteúdo

Mas Mourinho não é o único a comunicar eficazmente em variadas situações. Jorge Jesus é outro exemplo. É, aliás, um verdadeiro caso de estudo para a Pragmática da Comunicação: apesar dos seus muitos erros formais, o agora treinador do Sporting consegue fazer passar a mensagem. Consegue, até, criar e celebrizar expressões.

Atualmente, palavras como 'nota artística' ou 'limpinho' ganharam, no mundo do futebol, outros significados graças a Jorge Jesus. Estas evocam muito mais do que o seu significado institucionalizado, são usadas para dizer mais coisas. Jesus até nos pode arrancar um sorriso a cada pontapé na gramática, mas compensa esses tropeções com uma inusitada eficácia na comunicação (os bons resultados desportivos que tem obtido também ajudam, claro).

Há, depois, os treinadores que, mesmo tendo um perfil mais tranquilo, conseguem encaminhar os momentos de contacto com os media para onde querem, fazendo um excelente trabalho de relações públicas ao conquistar boa Imprensa. Como disse aquando da mudança de Jorge Jesus do Benfica para o Sporting, Marco Silva e Rui Vitória enquadram-se neste grupo. Agitam muito menos as águas que Mourinho e Jesus, por exemplo, mas também conseguem comunicar bem, sobretudo através dos meios de comunicação social, que lhes têm garantido uma abordagem respeitosa.

VISITE O BLOGUE MARCAS DO FUTEBOL

Rui Vitória está agora a enfrentar o desafio que Marco Silva teve na temporada passada: a exigência que um clube grande sempre comporta. Desde logo porque a exposição é incomparavelmente maior. Mas Rui Vitória tem um obstáculo particularmente delicado: a saída do seu antecessor para um rival. Para além disto, o anterior técnico do Benfica nunca perde uma oportunidade para jogar no campo da comunicação. Jorge Jesus não tem tido receio de falar sobre o Benfica e sobre o seu sucessor. Elegâncias ou deselegâncias à parte, a verdade é que o agora técnico do Sporting tem conseguido colocar mais pressão sobre Rui Vitória, o que torna crucial a reação deste, visto que não é uma pressão qualquer. E, para já, parece-me que o novo responsável técnico pelos bicampeões nacionais tem acertado no conteúdo, mas não na forma.

Rui Vitória tem acertado no conteúdo porque este é coerente com a sua marca. Como disse, o perfil do treinador do Benfica é significativamente diferente do de Mourinho, por exemplo. Assim, se em José Mourinho não seria de estranhar uma resposta duríssima a constantes considerações de um colega sobre o seu trabalho, em Rui Vitória o mais natural será a desvalorização que tem feito. Isto porque cada um deve jogar nos terrenos onde sente ter um maior controlo. Entrar num jogo que não se domina é começar em desvantagem. Para além disto, a exigência do trabalho que tem em mãos – um Benfica vencedor muito graças a Jesus – recomenda que jogue pelo seguro.

Ainda assim, a forma como Rui Vitória tem afastado as questões à volta de Jorge Jesus não tem sido a melhor. Se a ideia é desvalorizar, convém que a forma reforce este objetivo. Por isso, a duração e o tom das respostas devem estar em consonância com o conteúdo. E não têm estado. As respostas têm sido longas e o tom mais inflamado do que habitualmente. E isto também comunica, apontando para um caminho não necessariamente igual ao do que é dito.

Rui Vitória tem, portanto, um aspeto a rever. Tal como a estrutura do Benfica: preparar os ativos de um clube para o contacto com os media é um treino indispensável para se triunfar nos muitos campos do jogo que é o futebol.

Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.