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La famiglia de Portugal

Artigo de opinião de Gil Nunes.

La famiglia de Portugal
Futebol 365

Com a qualificação no bolso e um capital de confiança que lhe dava recipiente para fazer o que bem entendesse – para além das oito vitórias consecutivas este foi o primeiro jogo após a goleada na Bósnia e Herzegovina – Roberto Martinez optou pelo caminho da consolidação tática. E pela estrada habitual: afinal de contas, as portas da seleção não estão trancadas a sete chaves. Mas é reservado o direito de admissão. E só a alguns.

O princípio é relativamente simples de entender: se o que se pretende, sobretudo do ponto de vista ofensivo, é oferecer ao jogo uma seleção versátil, plástica, capaz de se adaptar a múltiplos desenhos táticos que flutuam na cabeça de Martinez, então tudo isto pressupõe rotinas assimiladas desde o berço. Para tal, é necessário que o figurino dos convocados não mude muito, sob pena dos intérpretes terem dúvidas acerca do solicitado pelo técnico e não executarem aquilo que se pretende com a minúcia de quem é, efetivamente, candidato ao título europeu. E de quem tem pouco tempo para entender a enciclopédia porque, malgrado o ciclo de vitórias ser inquestionável, com nove jogos ninguém revoluciona o mundo.

Aliás, tal realidade ficou espelhada aquando do anúncio da convocatória. Vem o Bruma porque o Pedro Neto se lesionou. Caso contrário dificilmente vinha. O mesmo se passou em relação a João Mário (FC Porto) que, por muito elogiado que sempre tenha sido pelo selecionador, só chegou à seleção após a dispensa de Diogo Dalot. É verdade que o casulo não é tão inexpugnável como o era no tempo de Scolari. Não é. Mas também é verdade que só se pode aparecer na seleção mediante dois fatores: um é a lesão de algum membro do núcleo duro; e o outro é apresentar de tal forma um rendimento estratosférico que Martinez seja positivamente encostado às cordas e, por conseguinte, não tenha outro remédio senão o de abrir as portas do clube.

Há, no entanto, um mérito que não pode ser retirado a Roberto Martinez: que o homem, mesmo não sendo português, acredita em nós como ninguém, lá isso é inquestionável. Só assim se explica uma dedicação tão grande à componente ofensiva, naquela senda de que ninguém será melhor do que nós naquele dia em que a carne estiver toda alinhada no assador. Tudo o resto parece superficial: somos de tal maneira fortes que jogo frente ao Luxemburgo em 3x2x5 e, diante do Liechtenstein, também avanço com três defesas (3x3x4), sendo que um dos defesas é um médio que costuma estar adaptado a um painel de miolo pautado pela circulação em passe rápido ou longo – Rúben Neves. Algo que seria impensável com Fernando Santos.

Na passada quinta-feira, em Vaduz, o objetivo passou por testar a mutabilidade dos jogadores e estabelecer algumas ligações que podem ser privilegiadas num futuro próximo. Se a de Bernardo Silva com Cancelo já é sobejamente conhecida (Manchester City e replicada por Fernando Santos), a de Cristiano Ronaldo com Gonçalo Ramos pode vir a resolver muitos problemas. É lógico que podemos argumentar que não é possível jogar-se assim perante os tubarões, algo que é verdade no conceito inicial mas pode ser mentira no momentâneo. Aflitos, a precisar de marcar, a colocar o pé no acelerador e na curva, poderá dar um jeito tremendo ter esta dupla limada e articulada. Porque, às vezes, a melhor tática é aquela que se define no rigor do esqueleto mas que também se adapta ao caos quando é necessário.

Depois, há também a questão do positivo hábito. Esta é, na verdade, a “revolução Martinez”. Para já, só uma hecatombe no europeu poderá levantar a discussão em relação ao pensamento do técnico. Porque, de resto, qualificações é para varrer e uma seleção com tanto talento tem é de jogar ao ataque. Ponto. Daqui para a frente, com ou sem Martinez, dificilmente se pensará de outra forma, até porque as calculadoras são uma troglodita lembrança de outrora.

Apesar da família ter sempre um contorno intimista e fechado (no caso leia-se semifechado), há sempre a necessária base de experimentação e de eliminação progressiva das segundas linhas. Se a estreia de José Sá foi uma justa recompensa para um guarda-redes que sempre marcou presença e nunca disse que não a uma posição secundária (que, no fundo, não o é), a entrada em cena de Toti Gomes aportou um produto diferenciado: qualidade na saída a partir do lado esquerdo com recuo rápido para a zona central, isto num atleta com um arcaboiço físico considerável e que pode ser determinante em jogos onde a componente do duelo seja mesmo para ganhar sem piedade.

O jogo de Vaduz trouxe também consigo uma espécie de ironia. Se Portugal se preparou para “escarafunchar” o bloco baixo do adversário, o primeiro golo aconteceu num panorama típico de quem está a defrontar uma equipa grande: através de rápida transição ofensiva. Muito provavelmente não era aquilo que estava no plano de jogo, mas também provavelmente o resultado traduz uma rotina e uma sequência que são de aplaudir. No fundo, basta só imaginar a França vestida de Liechtenstein e a coisa passa a bater certo.

Ou fazer o contrário. Perceber que Liechtenstein e França são apenas equipas com onze jogadores e tudo é possível. O que não era possível era continuar-se com a receita que deu o título em 2016. E que, malgrado algumas mudanças na parte final do reinado de Fernando Santos, foi arrastada até ao limite da sua validade. Sopram ventos de mudança. Com nove rajadas se escreveu Portugal.

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