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Bloco de Notas: O Paços de Paulo Fonseca e a cultura do clube

Começo por uma declaração de interesses que, em simultâneo, justifica a minha posição enquanto observador privilegiado. Sou adepto e sócio do FC Paços de Ferreira há largos anos. E há ainda mais tempo que acompanho regularmente a equipa. Fora e, sobretudo, em casa. Fui testemunha da passagem do comando técnico de Henrique Calisto para José Mota, em 1999-2000, por exemplo. E esta mudança será fundamental para se perceber o que quero hoje dizer.

Bloco de Notas: O Paços de Paulo Fonseca e a cultura do clube

Por diversas vezes tenho escrito sobre a cultura que qualquer organização acaba por gerar. Quando falamos de pessoas em interação e em relação só assim pode suceder. Num desses artigos referi-me a situações que podem parecer um contra-senso, mas que acabam por ser nada menos do que lógicas. Falo, claro está, dos treinadores que, mesmo tendo vencido, nunca conquistaram os adeptos. Em muitos dos casos porque o seu futebol não se enquadrava na cultura do clube.

O Paços de Paulo Fonseca está longe desta dissonância com cultura do clube. O técnico português faz parte da melhor história do clube, tendo protagonizado o momento mais alto da formação pacense, com a conquista do 3.º lugar há duas temporadas. E o regresso tem sido francamente bem-sucedido, exceptuando a eliminação da Taça de Portugal.

No fundo, de forma geral, Paulo Fonseca é altamente estimado e acarinhado. Atitudes que partilho por inteiro. O seu (bom) futebol tem garantido resultados positivos na esmagadora maioria dos terrenos do nosso campeonato. O Paços é, atualmente, uma formação francamente competitiva.

Ainda assim, o modelo de jogo de Paulo Fonseca tem algumas diferenças que colidem com um jogar que fez escola na Mata Real. Falo daquilo que Luís Freitas Lobo designou como a ‘Motatização’ do Paços. Ou seja, o estilo muito marcado que ganhou raízes no reinado de José Mota. E é curioso verificar como, mesmo na presença de resultados de excelência, a cultura mais enraizada consegue encontrar maneiras de emergir.

Esta segunda vida de Paulo Fonseca em Paços de Ferreira fica marcada pela mudança do habitual 4-3-3 (e variações) para o 4-4-2. É verdade que Jorge Costa chegou a jogar em losango na época passada, mas agora é o principal sistema da equipa. Dois avançados, dois alas que se destacam pelos movimentos interiores, dois laterais que são o principal garante de largura e profundidade, dois médios capazes de construir desde trás. Um jogar paciente, apoiado, com gosto em ter a bola. Uma vontade evidente de não pressionar muito alto, mesmo que isto não signifique passividade sem bola.

Ora, estas características têm-se traduzido em muitos pontos, com um desempenho ao nível de há dois anos. E, com excepção dos dois avançados, são os mesmos traços gerais que fizeram o Paços disputar o play-off da Liga dos Campeões.

Ora, o Paços de José Mota (e de quem lhe sucedeu, de forma geral) vivia da intensidade e raça, particularmente nos jogos em casa. Os extremos sempre foram uma das suas características mais marcantes. A rapidez que lhes era associada também. Os três médios eram fundamentais na concretização do jogar à Paços, na preferência pela intensidade no lugar da paciência. Como se torna visível, este tinha características bem diferentes da atual equipa.

Atualmente, as duas realidades convivem no mesmo clube. Por um lado, há o elogio ao desempenho de uma equipa que poucos conseguem derrotar. Por outro lado, é comum ouvir as bancadas a pedir «mais velocidade», «mais jogo pelas alas». Nos últimos jogos do Paços, marcados por entradas apáticas, a cultura mais profunda tem surgido com particular regularidade. Sem que isso signifique a contestação do trabalho que está a ser feito. No fundo, aquilo que revela é as múltiplas facetas e contradições que enformam a cultura e a identidade de um clube de futebol.

Este é apenas um caso curioso de duas realidades que convivem bem. Apesar das diferenças, ambos os estilos vão sendo bem acolhidos. E isto nem sempre acontece, bastando relembrar o Real Madrid de Capello ou o Benfica de Trapattoni. Ora, daqui qualquer profissional de futebol pode tirar algumas lições. Por exemplo, nunca deve acreditar em receitas que se aplicam em qualquer lado, em qualquer situação. Para além disto não deve negligenciar o contexto em que atua. Conhecer e compreender a organização que o acolhe é fundamental para o sucesso, visto que não trabalhará num vazio.

Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.

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