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Sporting: Assinatura de Rembrandt

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Sporting: Assinatura de Rembrandt
Depositphotos

É verdade: só um cataclismo impedirá o Sporting de conquistar o título nacional. E os jogos diante do Benfica acabaram por ditar uma espécie de justiça divina: na realidade, de que vale ter o melhor e mais apetrechado carro (plantel do Benfica) quando o piloto (Schmidt) não tem unhas para tal? E, muito embora nestas coisas mais valha prevenir do que remediar, há algo que já se pode antecipar como real: a sete jornadas do fim, se o Sporting não for campeão será injusto. Altamente injusto.

A tal frincha. Perspicácia e aquela forma de pensar à frente que é característica dos grandes treinadores. Dois eixos: em primeiro lugar a constatação de que o técnico do Benfica não tem capacidade para formar uma equipa condizente com o valor individual do plantel de que dispõe. Aliás, tal ficou provado nesta dupla jornada: o melhor Schmidt não foi capaz de ultrapassar Amorim. E, em segundo lugar, o transplante de coração de que o FC Porto foi alvo com as saídas de Otávio e de Uribe. O corpo demoraria tempo a reconstruir-se, sendo que o processo impõe a instabilidade que os dragões estão a sentir neste momento. Normal dentro do pote do anormal de 26 pontos perdidos na liga.

Desde o início da temporada que Amorim optou, e bem, por carregar no acelerador. As opções foram inteligentes: convinha contratar um guarda-redes mais estável (Adán está a milhas de Diogo Costa ou de Trubin) mas, se calhar, o Sporting ficava mais a ganhar com a chegada de um avançado sueco diferente de tudo o resto. Com a tónica da valorização dos ativos sempre em cima da mesa da análise: por um Trincão mais regular; por um Hjulmand que, afinal, é bem melhor do que aquilo que se pensava; por um Eduardo Quaresma que, bem vistas vistas as coisas, é um achado; e porque não passou pela cabeça de ninguém que Catamo fizesse parte do plantel e, ainda por cima, se evidenciasse como um dos melhores laterais da liga.

É este o verdadeiro fator x. Personificado em Catamo. Ver o que outros não viram e sacar da cartola o coelho mágico. E, ainda por cima, no momento exato. Com o amplificador da mensagem no contido ponto certo: Amorim até que pode estar a rejubilar por dentro mas a prudência é a semente das vitórias futuras. Dois golos? Já fez jogos melhores. Quaresma diante do FC Porto? Bom jogo, mas amanhã há treino. Nuno Santos marcou um golo do outro mundo? Atenção que ele fica com a neura quando vai para o banco. E assim foi diante do Arsenal.

Porque é esta a diferença. Água na fervura vale pés assentes na terra, e só os que não são lunáticos conseguem triunfar neste planeta. Ou, melhor dizendo, Rúben Amorim sabia perfeitamente que, na conferência de imprensa, lhe iam perguntar a opinião em relação à exibição de Catamo. Tudo preparado ao milímetro. Polidamente maquilhado naquele descontraído ar de quem acaba de dizer uma graçola astuta aos amigos no meio da esplanada soalheira.

Porque a falar é que a gente se entende. Ou então constatar que, no domínio da comunicação, há três quadros a ter em conta: o quadro dos treinadores que efetivamente não tem jeito nenhum para a comunicação e que também não se preocupam com isso; depois, o quadro daqueles que se preparam e, como tal, estudam aquilo que vão dizer e o que eventualmente pode ser perguntado; e o terceiro quadro. O mais valioso. Que pertence àqueles que genuinamente têm um talento natural para a disciplina e que, das suas próprias profundezas, conseguem descortinar o que dizer e no momento certo. É aí que está Rúben Amorim.

Mais do que ganhar o título, Amorim quer deixar um legado. Uma assinatura. Do português à matemática: são dois títulos em quatro possíveis, sendo que FC Porto e Benfica conquistaram as partes que faltam deste “tetrabolo”. A assinatura ganha corpo: nem Boloni nem Inácio. Amorim não se limitou a ganhar: foi, isso sim, uma espécie de herói do tempo dos Descobrimentos, que deu novos mundos de regularidade ao mundo do Sporting.

E que, se sair, terá tido ainda por cima a habilidade de o fazer no tempo certo. Se estou em alta tenho de ser vendido como mandam os compêndios: a um valor “upa upa”. E dou lugar ao fator Presidente: todos os méritos do mundo em contrariar a crítica e sacar do Braga aquele que poderá ter sido um dos melhores técnicos dos leões de todos os tempos. Mas lá chegará a prova dos nove: será que Varandas é assim tão bom a escolher treinadores ou simplesmente acertou na mouche uma só vez?

Com a Taça de Portugal ainda no horizonte, apreciar o futebol do Sporting é, porventura, perceber que o diferente pode ser mais valioso que o bom. Perceber que as contratações devem ser ponderadas em termos daquilo que o jogador pode render num contexto diferente e não apenas pela análise do curriculum e das prestações do jogador em si. É esta a assinatura de Amorim. A que inclui o Sporting e serve de modelo para os demais. Amorim vingou e nada ficou como dantes.

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