loading

Benfica: como se diz “agora é que são elas” em alemão

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Benfica: como se diz “agora é que são elas” em alemão
Futebol 365

Em período de graça tudo é permitido. Ordem para acelerar, agradar às massas e aproveitar os confettis e as serpentinas, mesmo que a festa ainda não tenha começado. Sem nenhum título no bolso. Mas Rui Costa não hesitou (e estranhou-se porque percebe muito no assunto e já anda há muito tempo nisto) em propor novo contrato a Roger Schmidt às portas dos quartos de final da Liga dos Campeões e de um confronto diante do FC Porto protegido por uma felpuda almofada de dez pontos.

Aconteceu na temporada passada e já diz o povo: tudo está bem quando acaba bem. Foi ao sprint, com casa cheia e frente a um Santa Clara já despromovido. Tarefa relativamente fácil. E o tsunami – vitória do FC Porto conjugada com apresentação da estratégia perfeita para se desmantelar o cristalizado Benfica – esfumou-se. E toda a gente se esqueceu dos maus momentos no meio dos cânticos que ecoaram no Marquês. Título conquistado. Foi por um galo: se o FC Porto tivesse vencido o Gil Vicente – Pepê falha o segundo golo dos dragões de forma incrível logo nos primeiros minutos – a esta hora, por certo, Schmidt já não seria treinador do Benfica. Na terra dos “ses”, como foi possível perder-se um título naquelas circunstâncias? Com a melhor equipa? Que barracada.

Festa à parte, veio novamente a serenidade. Tudo se comemora, tudo se varre. No entanto, o técnico dos encarnados constatou algo de evidente: o que se passou na temporada passada – em que os jogadores e os modelos foram praticamente os mesmos do princípio ao fim – não poderia continuar. Foi uma época em mil. Depois, há outra questão: mudar de forma abrupta ou mudar de forma paulatina, sendo que esta última opção acarreta um risco elevado: a exagerada cristalização da equipa na temporada passada. Que fez, por exemplo, com que as saídas de Grimaldo (final de contrato) e Gonçalo Ramos (joia da coroa) não fossem devidamente colmatadas em termos de potenciação de recursos internos. Ou de alternativas.

Quem muda Deus ajuda. Ou ajuda quem muda de forma suave. Diante do Portimonense, mesmo a vencer por dois, soou a sineta: retirar três de uma assentada – Kokcu, Bah e Musa – e, no fundo, preparar o esquadrão para as próximas batalhas. A questão é que estamos no país dos melhores treinadores do mundo e o Portimonense até tem avançados velozes, que sabem o que fazem quando o espaço abunda ou se torna anárquico. Não fosse Trubin a defender uma grande penalidade e tudo poderia ter sido uma azeda laranja do Algarve.

Seja como for, não há milagres. Nem tal se pretende. Gonçalo Ramos dava garantias (pressão alta, ataque à primeira bola e desequilíbrio individual) que os outros não dão. Mas a questão até é outra: são gotículas de qualidade que, isoladas, não originam uma chuva permanente. Se Musa proporciona ligação entre setores, falta-lhe a componente do talento inato. A Arthur Cabral reconhece-se qualidade que não vem acompanhada - pelo menos para já - de consistência ou de capacidade para se articular com os colegas que, no próprio universo de Arthur, passam por planetas fora de órbita. Sobra Tengstedt e a imagem de um avançado que, provavelmente, é quem de momento mais garantias dá: capacidade para jogar nos três eixos da frente de ataque e exploração muito inteligente das zonas de finalização: marcou o golo da vitória diante do Estrela, aparecendo em “ângulo morto” um segundo antes que a linha defensiva adversária. E, diante do Estoril, rompeu linhas, captou de forma astuta os sinais de circulação de bola e de desmarcação pronta, mesmo passando por ser mais um elemento fiel ao compromisso de profundidade de uma equipa que precisa, isso sim, de subir o seu rendimento quando está a jogar em posse e não ficar tão refém das contínuas arrancadas de Rafa.

E, nestas coisas, há sempre o irónico da coisa. Porque os intervenientes que descobriram o antídoto e colocaram as fragilidades do Benfica a nu foram exatamente os mesmos da temporada passada: Inter e FC Porto. Superioridade numérica no miolo a abafar um desamparado duo – Kokcu e outro jogador – que, em situação de debilidade, não tem nem teve o devido apoio por parte de jogadores criativos que, por muito que acrescentem, parecem carecer da frieza de João Mário para equilibrar uma mesa das refeições que manca. À esquerda ou à direita. E, por muito remendo que surja, nenhuma solução de emergência é melhor do que uma máquina oleada. Mesmo que não carbure na perfeição.

Diagnóstico, objetivo e terapêutica. Tratar a patologia. Se Schmidt já percebeu que o problema está na falta de qualidade sobretudo ao nível do jogo em posse (saídas de Grimaldo, Enzo e Gonçalo ainda são fantasmas), o objetivo passa por trilhar um duplo caminho: amealharem-se os pontos necessários que garantam a contabilidade do título e tornem o cenário progressivo e agradável, isto ao mesmo tempo que se assegura uma rotação obrigatória – porque FC Porto, Sporting e Braga, que não tiveram os vendavais de mercado do passado - vão dar muito mais trabalho do que há um ano a esta parte. É certo que a terapêutica poderá passar pelo talento e colocar em sintonia Neres e Di Maria. Ou mesmo Gonçalo Guedes. Mas tal não é compaginável com a saída de João Mário, que define os timings e impede que o jogo entre num foguetão de solavancos que é mais fácil de contrariar por parte dos adversários.

Neste ramalhete, a parte da culpa própria também existe. Com o passado a impor sanções desportivas severas. Na temporada passada, o Benfica de Schmidt aplicava “chapa 5” ao Marítimo e ao Chaves sempre com um modelo e um onze mais ou menos estanques. Às vezes, o som do silêncio vale bem mais que o caloroso afeto do aplauso. Teria sido bem melhor optar pela prudência e rodar. Rodar e errar. Capacitar as segundas linhas. Dar-lhes minutos mesmo que o contexto exibicional tivesse de diminuir. Agora é que são elas: fazer isso com o Portimonense é andar num trapézio sem rede. Para um alemão que também tem atributos indiscutíveis (lançar António Silva e João Neves é altamente meritório), a sabedoria lusitana continua a fazer-se sentir. Diz o português que em casa roubada trancas à porta. Não vá o diabo tecê-las. Até porque largos dias têm cem anos e não há almoços grátis. O que goleias hoje - porque não rodas - terá a fatura preparada no horizonte do amanhã. E, hoje, Schmidt senta-se na cadeira que construiu: bem a jeito do tombo no chão vazio e opaco.

Siga-nos no Facebook, no Twitter, no Instagram e no Youtube.

Relacionadas

Para si

Na Primeira Página

Últimas Notícias

Notícias Mais vistas

Sondagem

Roger Schmidt tem condições para continuar no Benfica?