O Gondomar, emblema do distrito do Porto cuja equipa A compete no terceiro escalão do futebol português, acolhe 13 jogadores chineses. É uma "barriga de aluguer" na formação de atletas que representam a seleção sub-19 da China.
Yang Li Yu, avançado de 19 anos, tem como referência Cristiano Ronaldo e como sonho jogar na Europa. Em declarações à agência Lusa, justificou a vinda para Portugal porque "a cultura de futebol portuguesa é uma das melhores do mundo".
"Isso notou-se no Euro2016", completou, referindo-se à conquista do título de campeão europeu pela seleção lusa.
Mas Yang Li Yu admitiu, tal como o médio Yao Dao Gan ou o guarda-redes Li Zheng, que existe uma barreira à chegada "a língua".
Daí que no Gondomar os treinos tenham no relvado, além do plantel e dos técnicos, o interprete Miguel Xu, que é português mas de uma família chinesa e ‘joga' com o mandarim e o português para ‘fintar' a dificuldade linguística. O engenheiro é também convocado para os jogos e fica no banco de suplentes.
Também há aulas de português na quinta onde os jogadores chineses vivem e no estádio do clube. E os colegas procuram alternativas quando a aprendizagem está ainda no início.
"Pegamos numa bola e dizemos ‘chuta' e chutamos nós para verem o que significa ‘chuta'. Explicamos por expressões simples: ‘está homem' ou ‘está só'. Pegamos neles e ensinamos", contou Tiago Ferreira, ‘capitão’ do Gondomar.
O médio, que está no clube nortenho há quatro anos, descreve a integração como "boa" porque o Gondomar "recebe bem qualquer nacionalidade" e "eles aprendem rápido".
A chegada de chineses ocorre neste emblema há cerca de três anos, fruto de uma parceria com empresas chinesas que colocam os jogadores no clube, pagando a formação e todas as despesas.
Mas o projeto solidificou-se há cerca de um ano e meio com a chegada de Agostinho Oliveira, antigo técnico da Federação Portuguesa de Futebol, que agora exerce funções de diretor técnico do Gondomar e é também conselheiro da Federação Chinesa.
É a Agostinho Oliveira que pertence a expressão "barriga de aluguer" quando este explica o porquê do "insólito" - jogadores chineses em Portugal - resumindo: "O futebol chinês é carente de formação".
Já o presidente do Gondomar, Álvaro Cerqueira, - que quando contactado pela Lusa recordou que já o internacional português Paulo Futre tinha em 2011 adivinhado que chegariam a Portugal "charters de chineses" - fala em mais-valias para os dois lados porque a permanência de chineses "funciona como os empréstimos entre clubes".
"Estamos a divulgar mais o clube. Vamos tentar prolongar o protocolo porque é bom para o nosso clube. O Gondomar neste momento tem 13 chineses: quatro na equipa principal [compete na Série C do Campeonato de Portugal] e nove na equipa B [Divisão de Elite Pro-Nacional Série 2 da Associação de Futebol do Porto] e todos são da seleção nacional da China", apontou Álvaro Cerqueira.
O dirigente recordou que na época passada o melhor marcador do campeonato era chinês e do Gondomar. Tang Shi apontou 13 golos e a veia goleadora valeu-lhe uma transferência para o Paços de Ferreira, da I Liga.
O treinador José Alberto soma casos de sucesso com "marca" gondomarense, recordando o central Pan Xi que jogou em Gondomar na época 2014/15 e é "a atual a revelação do campeonato chinês".
"O Gondomar tem sido um dos formadores dos chineses e tem dado qualidade à seleção da China", refere José Alberto, acrescentando que "não existem diferenças táticas a assinalar por nacionalidade" mas confirmando a teoria de Agostinho Oliveira de que a formação na China "não é muito desenvolvida".
"Nota-se quando chegam cá que têm algum défice em termos de intensidade. Mas são um povo que trabalha muito, um povo muito concentrado", aponta o treinador.
Ao encontro desta constatação, Agostinho Oliveira defende que os chineses cheguem mais cedo ao país: "Há um atraso em termos de noção de imensidade, campo todo. Embora um outro tenha uma habilidade natural, há pormenores, conhecimentos, em falta", refere o técnico campeão da Europa e do mundo ao serviço das seleções sub-18 e sub-20.
Os chineses confirmam estas teorias. "Vim para Portugal para melhorar as habilidades pessoais. A cultura europeia de futebol está mais avançada", diz Yao Dao Gan, que vê como "principal diferença" a "agressividade de jogo", notoriamente "maior na Europa".
Li Zheng encontrou diferenças na "educação que vem desde as camadas jovens", mas foi diplomático sobre a ambição de usar a ‘escola’ de Gondomar para lançar a carreira.
"Isso depende de cada um. Há pessoas que pretendem ficar mas também há outras que querem voltar por motivos familiares mas também profissionais", defendeu o guarda-redes.