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No fundo ninguém ganhou

Artigo de opinião de Gil Nunes.

No fundo ninguém ganhou
Futebol 365

Não há clássico sem atrito e, valha a verdade, também não há rivalidade saudável sem aquela trica que prolonga o novelo da discussão para o resto da semana. E sem Federer também não há Nadal. Acontece que futebol não é ténis, e as ligam vencem-se de acordo com o cumprimento de um critério de regularidade que faz com que uma determinada equipa tenha mais pontos que as outras nas contas finais. São 102 pontos dentro do balde, sendo que um jogo vale apenas três pingos.

É lógico que pensar num Benfica – FC Porto apenas pela visão contabilística em si é absolutamente residual. Basta olhar para os cafés repletos de entusiastas para se perceber toda a carga emocional daí proveniente. É o combate dos chefes. No entanto, a má notícia reside no rol das conclusões que se podem retirar do clássico. Porque, no fundo, ninguém ganhou: o Benfica é, logicamente, candidato ao título mas terá de jogar muito mais se o quiser revalidar, sobretudo ao nível do seu rendimento a atacar em posse; já o FC Porto está em fase de reconstrução pós-Otávio e Uribe, sendo que a principal preocupação reside na forma como deve fazer prevalecer a lei do mais forte perante os não-adversários diretos; o árbitro também não venceu pois, correta ou incorreta a decisão de expulsar Fábio Cardoso, certo é que fica com o rótulo de ter sido o “mau da fita” e estragado – mesmo que de forma involuntária – um clássico que se quer efervescente mas sadio até ao apito final; e, também, não ganham os adeptos, pois um elemento a mais traduz um desequilíbrio evidente na equação. Uma mão cheia de nada. Um zero.

Ou então quinze minutos com uma mão cheia de tudo. Sérgio Conceição tem razão quando refere que, apesar da derrota, os dragões ganharam muito mais do que aquilo que perderam. Com todo a gente a falar da ausência de Pepe, afinal havia espaço para surpreender e colocar no xadrez do jogo aquele surpreendente movimento do cavalo que coloca o rei em xeque. Baró lá para dentro para espanto de todos. Mais um médio no miolo, a jogar em transição e a obrigar ao recuo do Benfica. Isto sempre com uma premissa bem presente: os encarnados podem detestar o jogo em posse mas adoram quando o mesmo está partido e podem fazer explodir os seus talentos (Di Maria e Neres) bem como aquele que tem sido o seu melhor elemento esta época: Rafa. Com Taremi a recuar e Pepê a pressionar os centrais, estavam reunidas as condições para uma necessária mudança de rumo por parte dos encarnados. No fundo, puxar o jogo para a sua parte tática: Conceição adora imponderáveis e fintar o caos; já o meticuloso Schmidt deleita-se com bom planeamento e ensurdece perante o som do violino do improviso.

Durante esses quinze minutos o dragão cuspiu labareda forte. No mundo do fantástico, o FC Porto até parecia que jogava com mais um. Com cereja argentina no topo do bolo: Alan Varela a exibir-se acima de todos os outros. Muito hábil a ajudar os centrais e com a destreza suficiente para conseguir jogar em zonas densamente povoadas – passe curto e longo – Varela tranquilamente caminhava sobre brasas e fazia a ponte entre todos. E desnorteava os encarnados que, curiosamente, tiveram o seu momento quando o jogo se partiu e o vermelho a Fábio Cardoso apareceu das catacumbas do imponderável.

É claro que, com dez jogadores em campo, a bússola do jogo alterou-se. Não é viável uma equipa conseguir ter o mesmo ritmo quando tem menos um em campo. Depois, ficar com menos um perante uma equipa que adora transições ofensivas consubstancia-se como um desafio adicional: tem mesmo de se recuar. Não há outro caminho. E quase que dava para o empate.

Do lado dos encarnados, podemos argumentar que a aposta em Neres e Di Maria representava um tónico ofensivo e a prevalência do maior talento dos seus quadros. No entanto, e apesar da estupenda exibição de João Neves (sobretudo no bloqueio do um contra um e eficiência nos duelos individuais) pareceu sempre faltar um homem no meio-campo - João Mário - para garantir a circulação eficiente ou, por outras palavras, assegurar um padrão mínimo de jogo em posse que, por muito insuficiente que seja, sempre é melhor do que zero. Sim, o Benfica arriscou mais na segunda parte; foi mais dominador; procurou – e bem – as variações bruscas de flanco para desorientar a linha defensiva contrária, sobretudo ao nível da exploração das suas costas naturalmente mais desgastadas. Onze águas moles em dez pedras duras tanto batem até que furam. Como aconteceu.

Através de um golo de “ronha” pura. Ataco o primeiro poste e, de soslaio, dou um passo atrás e coloco-me em posição privilegiada, até porque sou esquerdino e fico em posição muito favorável para meter a bola lá dentro. Assim terá pensado Di Maria que, no aproveitamento de um milésimo de segundo que só os jogadores de top conseguem descortinar, conseguiu aparecer e fazer a diferença. Até porque as demandas do jogo estavam quase escritas: se o Benfica se colocasse em vantagem, dificilmente os dragões conseguiriam empatar. A não ser que surgisse uma bola parada vinda do laboratório do Olival. Daí que a necessidade contínua por um lance do género tenha representado, e de forma legítima, uma componente estratégica dos dragões. Não censurável. Faz parte.

A raiz do ponto como fator de leitura imediata. Ou de três pontos. No fundo, a perceção evidente de que ambas as equipas, pelo seu estado atual, vão perder muitos mais pontos no mealheiro de uma caminhada longa. Sendo que é difícil ganhar-se na terra dos melhores treinadores do mundo. E o FC Porto, reza a lenda, perdeu a liga passada em casa frente ao Gil Vicente. E a emoção do clássico, quando é estragada logo de início, até se revela contra si própria. Faz uma pirueta e transforma-se em razão: porque, no fundo, o Benfica não ganhou embalo emocional algum. Apenas três pontos. No papel. Ponto. Direto aos arquivos. Perdido nos armários.

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