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FC Porto: o pós Pinto da Costa

Artigo de opinião de Gil Nunes.

FC Porto: o pós Pinto da Costa
Futebol 365

Não se trata da sucessão de Alexandre o Grande nem do Mestre de Avis mas, com as devidas proporções, o raciocínio assenta nos mesmos pilares. Pinto da Costa e o FC Porto. E os perigos são imediatos: desde logo o facto do sucessor das ditas figuras marcantes ter a altíssima probabilidade de não poder apresentar o legado daquele que o antecedeu. Ou seja, por muitos candidatos que haja, ninguém neste filme que fazer o papel de D. Duarte I. Ninguém quer fazer de Leal Conselheiro.

No caso do FC Porto, há ainda outra variável na equação. Ora, por muito que se pretenda retirar Pinto da Costa do poder – e tal é democrático e legítimo – não se podem sonegar 41 anos de glória e uma personalidade que, a par de José Maria Pedroto, colocou o FC Porto noutro patamar a nível nacional e internacional. O Presidente mais titulado do mundo não pode nem deve, de um momento para o outro, ser tomado como corrosivo e nocivo para o FC Porto de futuro. Até porque a grandiosidade e o prestígio que os dragões possuem atualmente não seria possível de definir e de interpretar sem a visão estratégica de Pinto da Costa, fosse na lógica de combate ao centralismo ou então de afirmação convicta da região a partir dos êxitos do clube. Ou, passando para os domínios do discurso, reconhecer uma invulgar capacidade de resposta certeira e aquele sublime e inteligente toque irónico que é capaz de desarmar os argumentos contrários como faca na manteiga. Sem mácula. Pinto da Costa ao seu melhor nível.

Há, no entanto, alguns caminhos para se fazer oposição saudável: um deles é o desgaste natural do líder que, com menos energia, não tem o mesmo dinamismo nem a capacidade de resposta de outrora. Que é válido. Outro argumento que pode ser usado é a proeminência de ciclos e personalidades viciosas que se musgam à dinâmica de poder, sendo que só uma lógica de “varridela” pode colocar o contador a zero e eliminar de vez os putativos vírus. Formatar a máquina e recomeçá-la num novo ciclo harmonioso e cheio de sol.

Ora, se o FC Porto se tornou num produto apetecível (mérito de Pinto da Costa), também é altamente positivo que surjam candidatos ao trono. Se assim não fosse, algo estaria de errado. A presença maciça de sócios na Assembleia-Geral da passada segunda-feira representa uma boa notícia para o clube, havendo naturalmente o reverso da medalha. Que não se escreveu, bateu-se. As agressões verificadas na sessão são lamentáveis e a abertura de um inquérito por parte do Ministério Público dá ao episódio um contorno de tristeza que seria, de todo, evitável. Todavia, está longe de ser um dos episódios mais negros da história do clube. André Villas-Boas está errado. Ou melhor, faz o discurso que lhe convém em termos de potencial candidato mas veste um fato que não é o seu. Não lhe assenta.

Porque André Villas-Boas, na sua base de figura pública não candidata a coisa nenhuma, transmite uma imagem extremamente positiva de conexão à cultura, ao desporto em geral e às causas sociais. Tem um discurso inteligente e ponderado, é um indiscutível treinador de sucesso e está ligado ao clube que ama através da conquista, inclusive, de um título europeu. É certo que ninguém é um modelo total de virtudes mas, à primeira vista, não se pode criticar André Villas-Boas de qualquer maneira. Sendo que há outro fator a ter em conta: é sempre positivo ter alguém que efetivamente percebe de futebol (na sua componente tática e, inclusive, no campo da gestão) na liderança dos respetivos clubes de coração. Por aqui, a receita seria perfeita.

O cinzento desta história reside no manípulo emocional. Como se fosse o volume do comando da televisão, André Villas-Boas vai exponenciando os factos para lhes atribuir um novo contexto. Volte-se ao frio. Ao gelo. A ler simplesmente o que lá está. Se a Assembleia-Geral do FC Porto foi um dos dias mais negros da história do clube? Bulhas nunca fizeram bem a ninguém mas não foi, de todo, um dos dias mais negros dos azuis e brancos. Se a candidatura à presidência é uma formalidade? Não é. É uma opção. Legítima e séria. Mas ninguém o obriga. Formalidade tem o Partido Socialista em eleger um novo Secretário-Geral, caso contrário não vai a eleições. Se deixar fugir João Moutinho para o Braga foi uma “vergonha alheia”? Não foi. É compreensível e misticamente aceitável que se pretendam recuperar as figuras do clube mas, em termos táticos, a inclusão de João Moutinho na equipa não era prioritária. E Villas-Boas é um treinador de altíssimo nível, percebe a cabeça de Sérgio Conceição melhor do que ninguém.

Nem Alexandre “O Grande” nem o Mestre de Avis. Nem tão pouco João Paulo II. Ninguém duvida do genuíno sangue azul e branco de André Villas-Boas mas, ao “curvar-se perante a grandeza do Estádio do Dragão”, faz lembrar Bento XVI a apresentar-se ao mundo como um “humilde servo das vinhas do Senhor”. Sendo que a um Papa fica bem mas a um potencial candidato à presidência de um clube já representa um exagero. Não seria mais positivo para o próprio André Villas-Boas ser simplesmente André?

Até porque ainda falta o discurso do rei. Se Pinto da Costa construiu e manteve o edifício, também terá na sua cabeça o que poderá acontecer após a sua saída. O ato eleitoral da próxima primavera tudo decidirá ou precipitará mas, voltando à História, o princípio da nacionalidade dá pistas de sabedoria. D. Sancho I assinou ao lado do pai Afonso durante os últimos anos do primeiro rei de Portugal. Afinal, até pode haver um D. Sancho I a fazer a figura que se pretende. Assim o queira Pinto da Costa. Assim queria pintar o quadro em que largos dias têm cem anos.

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