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Naturalizações, ou como banalizar as seleções nacionais

Vivemos tempos de permanente tumulto. Como muito bem referiu Zygmunt Bauman, a modernidade é marcada pela constante revolução dos líquidos. Com isto, aquilo que nos habituámos a dar como adquirido já não se encontra em estado sólido. Aquilo que já estava cristalizado encontra-se em revolução. O futebol não é excepção, tal como não o são as seleções nacionais.

Naturalizações, ou como banalizar as seleções nacionais

O que é hoje uma seleção nacional? Esta não é uma pergunta com resposta fácil, sobretudo nos países europeus. A globalização e a grande mobilidade dos atletas romperam com a habitual definição de equipa que junta os melhores de uma mesma nacionalidade.

Se as nações, os nacionalismos e as nacionalidades não são naturais, como historiadores como Hobsbawm demonstraram, a verdade é que foram naturalizadas. E agora são francamente questionadas. No desporto, esta volubilidade assume um caráter central. Meia dúzia de anos chegam para formar um jogador para uma seleção nacional, mesmo que depois este já não esteja no país que o acolheu temporariamente e agora defende.

Muitos evocarão a famosa Aldeia Global de Marshall McLuhan. Contudo, esta não passa de uma simplificação da realidade. O mundo não passou a ser uma única aldeia. A globalização é mais complexa e tem mais incongruências do que essa expressão deixa transparecer. Os localismos não foram erradicados. Pelo contrário, convivem, mesmo que paradoxalmente, com os ‘mundialismos’. E isto problematiza a habitual vantagem competitiva associada às seleções nacionais, ou seja, aquilo que as torna únicas.

Goste-se ou não, uma seleção tem uma forte carga simbólica associada. «É a equipa de todos nós», para usar uma expressão célebre em Portugal. Isto implica um forte sentimento de comunidade e, logicamente, de pertença. Esta é a sua especificidade. Adulterá-la equivale a desvalorizá-la. Os ‘intrusos’ contribuem para a sua vulgarização, na medida em que contrariam aquilo que a torna única. Pode uma seleção reforçar-se como um clube e continuar a ser especial? Não nos parece. Realidades diferentes implicam lógicas diferentes.

Atentemos na recente probabilidade de incorporar o brasileiro Fernando na equipa nacional portuguesa. O trinco do FC Porto chegou a Portugal com 20 anos. O atleta está a cumprir a sétima e provavelmente última temporada no campeonato nacional. Inglaterra deve ser o seu destino na próxima época. O jogador – um dos melhores que a I Liga já teve na sua posição – afirmou, em 2012, o desejo de representar a SUA selecção, ou seja, a brasileira. Contudo, as dificuldades em chegar ao 'escrete' e a natural ambição do futebolista – que deseja disputar competições tão prestigiantes como os Campeonatos do Mundo ou da Europa – levaram Fernando a dizer que já se sente «um pouco português». E Paulo Bento já lhe abriu a porta da sua equipa.

Ora, tudo isto acontece no exato momento em que um jovem nascido em Luanda, mas desde muito cedo em Portugal e formado por cá, procura afirmar-se na seleção nacional. William Carvalho, um dos nossos, terá a mais que provável concorrência de um reforço de valor inquestionável, mas de origem externa.

Esta lógica típica dos clubes não é adequada ao reforço da especificidade da marca da seleção nacional. A irrelevância sentimental que algumas equipas nacionais de futsal formadas por jogadores estrangeiros representam para os seus adeptos deve ser um exemplo. A não seguir!

Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.

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