loading

Bloco de Notas: Luis Suárez devia morder a reputação

Qual dos melhores jogadores do Mundo mais provavelmente não iria querer ter numa equipa que apoiasse? A resposta é simultaneamente simples e desconcertante: Luis Suárez. Por um lado, o avançado uruguaio é simplesmente brilhante. Por outro lado, a reputação que insiste em alimentar levanta-me sérias resistências.

Bloco de Notas: Luis Suárez devia morder a reputação

Por um lado, acredito que estaria disposto a entrar em dissonância cognitiva para acolher um dos melhores avançados da atualidade. Por outro lado, talvez pela formação em comunicação, não consigo deixar de valorizar negativamente a carga simbólica que tal contratação representaria.

Se Cristiano Ronaldo e Lionel Messi disputam hegemonicamente a Bola de Ouro desde há alguns anos, Luis Suárez é um dos mais legítimos aspirantes ao trono. Aliás, Ronaldo e Suárez partilham a Bota de Ouro relativa à temporada que está prestes a terminar.

O melhor marcador da Premier League terminada em maio último, com 31 golos em 33 jogos, guiou o Liverpool à melhor campanha desde há muito tempo. Contudo, o jogador dos reds falhou as cinco primeiras jornadas do campeonato por se encontrar suspenso. A razão foi a celebérrima mordidela em Ivanovic, atleta do Chelsea, ainda em 2012-2013.

No Campeonato do Mundo de Futebol, no momento em que escrevo este texto, o Uruguai ainda está em prova, tendo sobrevivido no verdadeiro ‘grupo da morte’. O principal responsável? Suárez, claro. Os seus dois golos à Inglaterra reanimaram a equipa depois da desastrada estreia frente à Costa Rica (3-1). Apesar da imensa qualidade de todo o ataque uruguaio, o regresso de Luis Suárez após lesão chegou a ter contornos messiânicos, com estes a consubstanciarem-se no jogo frente aos ingleses.

Ainda assim, todos sabemos que a seleção celeste não poderá contar mais com o contributo do seu melhor atleta. E os motivos são os mesmos que levaram à suspensão já mencionada: Luis ‘Hannibal’ Suárez voltou a morder. Desta vez, a vítima foi o habitualmente agressor Chiellini. Como resultado desta terceira mordidela – a saga começou ainda na Holanda, com uma suspensão de sete jogos por um ataque ao pescoço de Otman Bakkal – o avançado foi severamente punido pela FIFA.

Ver um organismo com o historial da FIFA, que num texto anterior classifiquei como um dos maiores inimigos da reputação do futebol, a punir severamente comportamentos anti-desportivos é profundamente irónico. Nove jogos de suspensão e quatro meses de afastamento de todas as atividades ligadas ao futebol (o que complica, por exemplo, a tão badalada transferência para Real Madrid ou Barcelona) é um castigo pesadíssimo.

Ainda assim, a punição não pode ser classificada como surpreendente. A reincidência do futebolista neste tipo de comportamentos será, certamente, uma agravante jurídica. A reputação – simplisticamente entendida como o conjunto em interação daquilo que comunicamos e como somos percecionados - também terá tido os seus efeitos. A realidade de Suárez é diferente da de qualquer outro jogador, pois é percecionada de maneira distinta. Punir severamente Suárez é, portanto, mais provável.

Ser olhado de maneira diferente, com maior desconfiança, não é a única consequência da má reputação de Suárez. Nestas coisas da comunicação há uma permuta de traços de identidade. Uma dada marca associa-se a um determinado jogador porque quer visibilidade, mas também porque pretende revestir-se com as melhores características da reputação desse atleta. Cristiano Ronaldo representa um determinado número de coisas, Xabi Alonso um outro conjunto muito diferente, por exemplo. Ora, é por aqui que se explica a reação da Adidas, marca que patrocina o avançado uruguaio, à mordidela em Chiellini.

A organização alemã tinha numa imagem de Suárez – coincidentemente com a boca aberta – um dos seus elementos de comunicação para o Campeonato do Mundo. Após o incidente, esse cartaz despertou um 'buzz' tremendo. Todos queriam tirar uma foto com a fotografia, simulando o incidente com o defesa italiano. Esta publicidade espontânea não foi bem acolhida pela Adidas. E o comunicado que a marca emitiu, citado pelo Imagens de Marca, não podia ser mais claro nas explicações.

«Não aceitamos o comportamento recente de Luis Suárez e vamos lembrá-lo dos altos padrões que esperamos dos nossos jogadores. Não pretendemos utilizar a imagem de Suárez em qualquer outra atividade de marketing durante o Mundial-2014. A Adidas apoia plenamente a decisão da FIFA», explicou a organização.

Não é a primeira vez que uma marca repensa uma ligação ao desporto por causa de Suárez. Em 2012, após o incidente com contornos racistas entre o avançado do Liverpool e Patrice Evra, do Manchester United, o banco Standard Chartered admitiu rever a ligação aos 'reds'. Os motivos eram claros: o banco não queria ficar associado ao caso. Felizmente para o Liverpool, essa quebra não se confirmou. Caso contrário, a formação de Anfield Road teria ficado sem um patrocínio de 20 milhões de libras por época.

Apesar do apoio entusiástico que recebeu do Uruguai e das suas gentes, Suárez deve refletir sobre o seu comportamento. Se é verdade que ele pode ser visto como o derradeiro baluarte do futebol rebelde – ou dos pobres, como referiu o presidente Mojica, o que traz algum encanto e nostalgia –, também é verdade que morder adversários não pode ser algo que se admita na edificação do futebol que queremos. Ninguém gostaria que esta prática se generalizasse, ninguém iria querer ver os seus filhos a ser mordidos num qualquer campo de futebol. Dito isto, a Suárez só resta morder uma última coisa, para o bem de todos (jogador, clube, seleção e modalidade): a sua própria reputação. E isto só será possível se deixar de a reforçar à dentada.

Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.

Siga-nos no Facebook, no Twitter, no Instagram e no Youtube.

Relacionadas

Para si

Na Primeira Página

Últimas Notícias

Notícias Mais vistas

Sondagem

Roger Schmidt tem condições para continuar no Benfica?