Artigo de opinião de Gil Nunes.
Do “sou pai honrado” de Rui Vitória ao “fiz um trabalho muito mau” de Roger Schmidt. Da série “estás no filme errado” e “aqui nomeio a minha incompetência”. No fundo, quem tem razão é mesmo Herman José: cada tiro cada melro, cada cavadela cada minhoca. Inacreditável. Se o Benfica se arrasta em campo fruto, principalmente, de não saber aquilo que quer, sempre que abre a boca o técnico dos encarnados mete mais um golo na própria baliza. E nem é uma questão da estrutura de comunicação do clube o proteger ou não: a solução passaria mesmo por um “black out” total ou então por uma mordaça permanente. Sendo que nesta altura de crise impõe-se o “discurso do rei” para acalmar a nação e seguir em frente. Mas o rei vai nu, atarantado e ainda por cima usa o argumento de falar alemão para não perceber a legítima e portuguesa contestação que o rodeia. Mais uma situação caricata para o ramalhete de Schmidt.
Ou que jogar contra o FC Porto era o mais importante. Mas afinal era uma piada e todos os adversários são prioritários. Ou então fazer como na temporada passada, quando o venceu o Estoril após os desaires perante dragões, Inter e Chaves, e disse algo de transcendental. “Estamos aliviados”, afirmou. Mas desde quando é que o Benfica fica aliviado por ganhar ao Estoril? Ou, escavando um pouco mais, o próprio técnico tomou o triplo desaire como o princípio de um efeito dominó que, por obra do acaso, não sucedeu. Ou então não percebeu o contexto do clube que representa: o Benfica é um clube grande e levanta-se quando cai: fica ferido quando perde mas enfurecido e desejoso de dar a volta por cima. E volta a vencer com naturalidade, sendo que no casulo onde vivem “dor e fúria” o alívio não pode bater à porta.
A Roger Schmidt, o melhor que tem a fazer é mesmo “por os olhinhos” no vizinho do lado. Quando Matheus Nunes saiu, Rúben Amorim apontou os holofotes para as qualidades de uns e de outros, destacando as virtudes daqueles que ficaram como pilares para o Sporting ultrapassar a tormenta passageira e seguir em frente rumo à terra prometida. São exemplos, senhor. Coincidência ou não, os leões são primeiros, estão sólidos e procuram trilhar o mesmo caminho do primeiro título de Amorim: entre dragões que se reconstroem e águias à deriva, alguém há de passar nos pingos da chuva e levantar o caneco. Todos juntos e, na próxima época, até posso nem cá estar. Mas quem não gosta de um final feliz?
Reconhecer erros dentro de um contexto de competência é louvável – porque errar é humano – agora dizer que se fez um trabalho muito mau no final de um jogo é, no fundo, assinar o manifesto do caos com um sorriso amarelo e embaraçado. E, de facto, não fez. Taticamente falando, Roger Schmidt já percebeu que o modelo cristalizado utilizado vezes sem conta na temporada passada estava esgotado e algo tinha de mudar. Agora há vários tipos de mudanças: uma mudança desaconselhável é aquela que foi protagonizada diante do Portimonense: tirar três jogadores nucleares ao intervalo: Bah, Musa e Kokcu sem perceber que os algarvios podiam fazer mossa na transição rápida. Valeu Trubin a sacar uma grande penalidade. Para mudanças bruscas mais vale estar quieto. Arriscar apenas no momento certo, quando se pressente que o desenho tático está estável e, apesar da hipótese de derrota estar sempre presente, não se jogar como nos primeiros trinta minutos diante da Real Sociedad: não tivessem os bascos desacelerado e a coisa poderia ter evoluído a um cenário igual ou próximo do célebre embate frente ao Celta de Vigo.
Mas a questão até remonta ao passado: nada contra o facto do Benfica jogar com três centrais, mas acontece que essa situação nunca passou pela cabeça na temporada transata. Caiu de para-quedas. E os três centrais pressupõem habilidade dos mesmos no processo de construção, sendo que o Benfica emprestou o seu elemento mais apto nesse capítulo em específico: Lucas Veríssimo. Que tanta falta faz nesta altura da corrida. Onde as primeiras decisões começam a surgir.
Se Schmidt deve sair se perder o dérbi? Sim. E não pelos eventuais três pontos perdidos. Mas antes pela incapacidade de criar uma identidade de jogo – no meio de 3x4x3 e de 4x2x3x1 é muito complicado perceber como joga o Benfica sendo que os jogadores se incluem neste lote de perdidos – e também pela penumbra que existe no discurso do treinador. Como se fosse o simpático e sincero relatador lá do campeonato do bairro que, com o seu cachecol e boina, tenta convencer a malta de que o pessoal do prédio ao lado ganhou porque o futebol é mesmo assim. E há que aceitar.
A outra face da moeda é o Benfica manter-se em autogestão. Esquecer a Europa e tentar os mínimos nas competições nacionais, porque efetivamente tem bons jogadores. Levar o individual a prevalecer em prol do instável coletivo. É claro que o calendário dá conta de si: estamos em novembro e ainda há muita estrada no horizonte. Há meia dúzia de meses, Rui Costa renovava com o seu técnico. Hoje deita as mãos à cabeça e constata uma performance decrépita na Liga dos Campeões, ainda por cima num grupo teoricamente acessível. A questão da dissolução ganha força e coerência: afinal o Benfica tem jogadores de muita qualidade. Que podem assimilar novas ideias de forma muito rápida. Por isso, o voto é sim.