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Schmidt e La Palisse: cartas secretas

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Schmidt e La Palisse: cartas secretas
Futebol 365

Pelos vistos, para Schmidt o problema é simples: empatamos e precisamos de marcar para desembrulhar a coisa. Para todos nós, também. Uma conclusão óbvia que também se pode retirar deste bouquet é que compete aos treinadores encontrarem soluções para os problemas e não constatar que eles existem. Isso já toda a gente percebeu. Schmidt e La Palisse, cartas secretas.

O discurso de Schmidt faz lembrar aquele indivíduo que chamou o técnico porque o frigorífico avariou. Após análise, o técnico constata que o eletrodoméstico está mesmo avariado e o sujeito deve então chamar alguém que o repare. E mete a conta. É claro que a questão apresenta gotículas de exagero, mas o discurso de Schmidt não anda muito longe desta neblina contínua que, ainda que de forma indireta, impede o desenvolvimento progressivo da equipa. Não vem mal nenhum ao mundo encarnado um empate em Moreira de Cónegos, sobretudo quando a equipa visitada tem uma organização defensiva capaz de fazer inveja a muitos tubarões do futebol europeu. Há muito mérito do Moreirense, isto para além de muitos alibis à mistura. O empate do Benfica até que é natural dentro de um contexto em que o Moreirense sofre poucos golos e só Braga e FC Porto conseguiram por lá triunfar. E de forma muito suada.

Também não vem nenhum mal ao mundo um jornalista, competente, fazer uma pergunta que já foi feita a todos os treinadores do mundo. Foi melhor o resultado do que a exibição, certo? A uma pergunta quase corriqueira veio a reação a quente e a exposição de uma das fragilidades do técnico alemão. Dá-se mal com os microfones. Com a comunicação social. Não tem nem estratégia (Sérgio Conceição) nem à-vontade estratégico (Rúben Amorim) para passear no mundo dos media sem que este o belisque e fira. A estrutura de comunicação do Benfica faz o que lhe compete: aproveita um comunicado do CNID para deitar mais lume na fogueira e transformar o episódio numa campanha sem precedentes em torno de Roger Schmidt. E, com isso, gerar um casulo de proteção invisível quer ao técnico quer, sobretudo, a tudo aquilo que ele diz.

É certo que Schmidt não é propriamente o Primeiro-Ministro e não tem a obrigação de explicar a todas as camadas de benfiquistas o porquê deste jogar em vez daquele. Há que fazer bluff e ter aquela pontinha secreta do véu protegida no armário. Ou porque cobra mais ou menos impostos. Também não tem de ser o melhor comunicador do mundo mas, valha a verdade, lá podia dizer alguma coisa. E explicar-se. Só o beneficiava. É que, numa equipa que carece de largura, e tendo em conta que os laterais de uma equipa grande são praticamente alas, era conveniente percebe-se qual a razão para Tiago Gouveia não jogar. Ou então porque joga Aursnes na sua vez, sendo que ao norueguês deve ser ressalvada toda a competência e resiliência do mundo: mesmo não apresentando grande perfil para a função, a sua inteligência de jogo faz com que não cometa grandes erros e, na linha da frente, lá vá aparecendo quando é preciso. Mas é claro que nunca é a mesma coisa do que ter lá um ala. Do outro lado pontifica outro voluntarioso de serviço: Morato. Que é esquerdino, possante e no capítulo defensivo cumpre com a competência que se lhe exige. Não tem é nem a qualidade técnica nem a velocidade para ser um bom lateral, quanto mais um lateral do Benfica, e quanto ainda mais para ser um presumível substituto de Grimaldo. Handicaps a mais, com a culpa a não ser do próprio.

Se tudo foi mau em Moreira de Cónegos? Nem tudo. O técnico dos encarnados esteve bem quando percebeu que o problema da primeira parte também residia na falta de ritmo e de qualidade na circulação do meio-campo encarnado e, justiça seja feita, fez aquilo que deveria ter sido feito. Mexeu. Se João Neves fez provavelmente a exibição mais cinzenta desde que adquiriu novo e merecido estatuto no Benfica, a Florentino exige-se mais do que ser um simples recuperador, sobretudo quando Enzo Fernandez já não mora em Portugal. Na segunda parte, a entrada de Chiquinho e de Kokcu (sobretudo este último) foi certeira e inteligente. O Benfica melhorou a qualidade do seu jogo interior, passou a ser mais criterioso entre todos os sectores com a tal peça do puzzle a faltar: a largura. A exploração dos corredores. Uma maior vocação dos alas para a função em questão. E o Benfica não pode viver nem de adaptações nem de remendos, sobretudo num contexto de equipa grande em que os laterais desempenham papel fundamental no todo da manobra ofensiva.

Pode também argumentar-se que a capacidade de finalização dos encarnados não é a mesma de outrora. A questão tem socalcos definidos: todos os que vieram não acrescentam o mesmo que Gonçalo Ramos acrescentava. E a explosão de Tengstedt, mais talhado para o jogo em profundidade do que para o apoio propriamente em si, motiva adaptações ofensivas que não são compagináveis dentro de um bloco bem organizado como é aquele que foi definido por Rui Borges no Moreirense. Agora, ter Rafa a usar a sua velocidade para recuar ou ver o jogo a pedir variação e o lateral a não ter a capacidade para acompanhar do lado contrário (leia-se falta de perfil e nunca falta de boa vontade) é contemplar uma equipa que está, ela própria, longe daquilo que pode e deve fazer.

É certo que muita qualidade individual nem sempre é sinónimo de equilíbrio do trapézio coletivo. A presença abundante de jogadores de qualidade no miolo – leia-se também Aursnes – é contemplada por Di Maria, que é um magnífico jogador mas a quem não se pode exigir uma harmonia exibicional de noventa minutos. É certo que o Benfica também falha um golo cantado logo a abrir – por intermédio de Florentino – mas o padrão identitário tem vindo a perder-se, sobretudo depois de uma Liga dos Campeões que representou uma trepidação violenta nos alicerces da equipa. Porque o Benfica, mais que não seja pela sua grande qualidade individual, pode render mais. Muito mais.

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