Artigo de opinião de Gil Nunes.
Mais do que um FC Porto que, muito embora criando com frequência, não está avassalador no que ao processo ofensivo diz respeito, a questão mais preocupante parece residir na defesa. Sobretudo na zona central, depois dos meteoritos das lesões terem provocado a abertura de duas crateras: uma relacionada com Pepe (ultrapassável num futuro próximo) e outra que adveio de uma circunstância inesperada: Marcano no “estaleiro” até final da temporada. Infortúnio a bater à porta com estrondo.
Ao nível da primeira equipa, sobram dois jogadores de características completamente diferentes – Fábio Cardoso e David Carmo – que apresentam um denominador comum nos seus eixos: não são propriamente rápidos. Sentem algumas dificuldades no controlo do espaço à retaguarda, sendo que o problema se agudiza quando o mesmo se torna mais amplo. Não que seja propriamente uma situação de crise. Uma pneumonia. No entanto, esta constipação traz consigo alguma instabilidade, sobretudo quando é necessário enfrentarem-se os ditos tubarões. As equipas mais fortes. Diante do Benfica também se constatou, mas sobretudo ante o Barcelona: é certo que Baró comete um erro grosseiro mas há cerca de meio-campo para a jogada ser estancada. Algo que não aconteceu.
No meio da crise, no cerne do problema, há sempre alguém que se vai safar. Emerge Zé Pedro em circunstâncias especiais – com 10; frente ao Benfica; em pleno Estádio da Luz! – algo que acabou por se revelar como a notícia do mês. Se o seu recrutamento ratificava qualidades apreciadas pelo técnico, o que ninguém esperava é que, ao nível da componente emocional e do controlo da pressão, Zé Pedro não vacilasse. De tal forma que, na Luz, foi mesmo dos melhores em campo e um verdadeiro tampão às investidas do Benfica pela zona central. Mas Zé Pedro (e viu-se nos jogos seguintes) é muito mais do que isso: veloz, consegue recuperar à retaguarda com facilidade; sabe sair a jogar, pisar zonas adiantadas e não se atemoriza na altura de construir; e, inclusive, assume a responsabilidade na hora das bolas paradas. Trata-se de um central com muita ofensividade no seu ADN, algo que é fundamental no esqueleto de uma equipa grande. Ora, já se sabe que circunstâncias especiais motivam reações excecionais: daí Sérgio Conceição não ter hesitado na altura de pegar no telemóvel e entrar em direto no “Futebol Total” do Canal 11. Abertura de uma fenda com o firme propósito motivacional: puxar Zé Pedro para a frente. Se o contexto provocou oportunidade, nada melhor do que continuar a usufruir da força da onda e, em termos coletivos, resolver uma série de problemas. E o jogo da Luz não representou um epifenómeno. O exemplo mais fresco vem direitinho do jogo da Taça de Portugal: envolvimento na dinâmica ofensiva que permitiu, de forma indireta, espaço para Zé Mario explorar e abrir linha de tiro na zona central, aproveitada devidamente por André Franco. O novo lateral esquerdo.
No meio de um FC Porto que se refrescou com reforços de qualidade, o lado esquerdo da defesa não foi alvo de grandes alterações. É certo que, de momento, não será um dos pontos fortes da equipa mas há uma verdade que parece indesmentível: Zaidu e Wendell complementam-se. Se um (Zaidu) é sinónimo de velocidade, força física e recuperação rápida, o outro (Wendell) apresenta muita qualidade em posse, algo que potencia a dinâmica da equipa e se reflete em golos. Aliás, mesmo nesta temporada e sobretudo nos períodos de maior desnorte, as incursões de Wendell pela zona central por pouco não resolveram o problema: Leia-se empate em casa diante do Arouca.
Em Vilar de Perdizes, o processo de experimentação de André Franco na nova zona revelou-se bem-sucedido. Quer pelo golo, quer pela assistência, mas sobretudo pelo critério que oferece num contexto do FC Porto marcado por uma premissa fundamental: o conceito de lateral esfuma-se quando a equipa está tanto tempo por cima de um bloco baixo pelo que o lateral é, no final das contas, um ala ou um médio. Por conseguinte, se temos um médio esquerdino que pretendemos que passe mais tempo no lote dos escolhidos – até porque tem muito golo nos pés– a sua adaptação acaba por ser um processo contranatura que, no fundo, não o é. Acaba, isso sim, por ser natural dentro daquilo que é uma equipa grande que tem processos definidos para se impor de forma soberana em mais de 90% dos seus embates.
Se a adaptação de André Franco ainda pode ser só a ponta do icebergue – Zaidu a central já foi uma solução provisória em diferentes partidas – há que espreitar o outro lado da defesa. Onde a contratação de Jorge Sanchez trouxe o benefício direto da concorrência direta a João Mário mas, sobretudo, trouxe um benefício por debaixo da mesa: a fixação de Pepê em zonas mais adiantadas, carimbando a sua deslocação para a posição de lateral apenas em situação de emergência. Não que não a cumpra, é certo, sendo que até recebeu rasgados elogios do seu técnico. Mas há setores mais altos que se alevantam. Que carecem de Pepê e da sua exímia capacidade técnica.
E o Dragão, neste momento, precisa de absorver os frutos emocionais que advieram dos últimos jogos grandes. Onde não foi inferior e apenas os perdeu por situações de excecionalidade que podem ser contrariáveis através, sobretudo, de uma maior atenção ao detalhe. E de onde surgiu um ator inesperado: Zé Pedro. Que noutras circunstâncias não teria brotado com a mesma determinação. Direto ao onze. Sem rodeios. Estou aqui. E quero aproveitar a maior oportunidade da minha vida.