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Viktor ou o pináculo da criação

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Viktor ou o pináculo da criação
Futebol 365

Quando, diante do Benfica, o Sporting obtém o golo na sequência de uma transição ofensiva em que a bola viajou da defesa ao ataque num espaço de poucos segundos, estão lançados os dados para uma reflexão sobre o finalizador do vertiginoso engenho: Viktor Gyokeres. O tal sueco que tem sido um dos destaques da liga portuguesa até ao momento. A descoberta do ano.

Isso ou um verdadeiro estudo para o exame da faculdade. Não de véspera mas uns meses antes. Página a página, com dúvidas e questões ao professor, como determinam os compêndios. Se o Sporting está, atualmente, na liderança da liga, tal também se deve a uma empreitada cuja primeira pedra foi lançada ainda na segunda metade da temporada passada. Preparemo-nos que vem aí um jogador abençoado, capaz de nos levar para outros patamares. Para já, ensaiemos com os que cá estão ou então façamos de conta que o barco do viking já atracou. Porque se trata de um jogador especial. Sem dúvida.

Por isso, a transmissão da novela (leia-se contratação) foi realizada até ao limite do suportável. Aliás, em certos momentos, registou-se mesmo uma colisão invisível entre aquilo que pode ser tomado como tolerável quando muito desejamos algo, e aquilo que se torna sôfrego e aflitivo de um momento para o outro. Foi na cabeça de alfinete dessa fronteira milimétrica que Gyokeres chegou a Alvalade. E com a obrigação de render tendo em conta aquilo que custou – 20 milhões de euros – e tendo também em conta que todo este folhetim tem necessariamente de ter um final feliz. Caso contrário é deitar dinheiro fora e, pior do que isso, é percorrer o deserto descalço sem um oásis e arvoredo abundante no horizonte. Mas acontece que Viktor é craque. Simplesmente é.

Foi, é e será. Salvo alguma lesão ou imponderável, é altamente improvável que a trajetória de Gyokeres não continue ascendente. E a conclusão passa, em lugar real, pelo reconhecimento de um conjunto de características que, mais do que o tornarem diferenciado, fazem com que consiga alcançar o pináculo do jogo de uma forma fácil. Chega onde os outros não chegam, e fá-lo de uma forma natural. Desde logo pela capacidade física inata de que dispõe, e que lhe permite ganhar os duelos com aquela naturalidade que faz com que os adversários conheçam o verdadeiro significado da palavra resignação. Ou então com aquela dinâmica de aceleração que determina que os metros sejam conquistados de forma tão selvagem que os demais tenham de ficar reféns na sua defensiva cápsula de território.

Os atributos enunciados pressupõem - sobretudo quando se fala do tal processo de aceleração - a existência de um domínio essencial: o espaço. Nessa lógica, e percebendo de que os centrais leoninos são hábeis no processo de construção, há uma margem confortável de segurança para que a manobra ofensiva possa comprimir os eixos do tempo. Da defesa ao ataque em poucos segundos, com o meio-campo não a afirmar-se como a cerebral sala de máquinas, mas antes como a volátil plataforma que se desloca para o ponto cardeal mais adequado às necessidades imediatas do momento ofensivo.

Ter Gyokeres em campo significa, também, outra preponderância do ponto de vista defensivo. Ora, se tais atributos físicos podem legitimante ser enfatizados ao nível do ataque, o desenho tático leonino acarreta outras premissas: pressão alta permanente, com particular enfoque no determinado jogador adversário que, naquele momento em específico, deve ser alvo desse mesmo holofote de asfixia; ou, na sequência, uma maior reação à perda, sendo que este último ponto pode também ser interpretado como um crescente receio do adversário em perder a bola na zona pontificada por Gyokeres. Porque em meia dúzia de bruscos passos o golo aparece como cogumelo.

Se calhar, fica apenas a faltar o mais fácil: o silêncio. O refúgio dentro da espuma do jogo. Aquela sabedoria que faz com que o jogador ladino e experiente se dê como dormente e ressuscite num ápice de forma avassaladora. Ser como a cobra no coração da selva. Ou, por outras palavras, o jogar de forma simples e em prol da equipa, que pode ser personificado através daquele simples passe para o lado que, por muito básico que seja, é aquilo que a equipa necessita naquele momento. E não da tal temível aceleração que levanta o asfalto, seduz bancadas, mas que no frio da análise afinal se revela supérflua.

Tudo estaria errado se Gyokeres fosse um produto acabado. Por etapas, contudo, o cardápio do sueco tem sido recheado de novos ingredientes. Diante do Gil Vicente, os dois golos marcados no coração da área não só demonstram técnica como também aquela minúcia do trabalho em laboratório que faz com que o espaço não seja o aspeto essencial do seu jogo mas antes mais um fator onde pode, efetivamente, fazer a diferença como grande talento que é.

Há sempre o próximo capítulo da história. E que pode não ser escrito em português. Se a bitola exibicional se mantiver, fica provável uma saída de cena por muitos milhões. E de forma justificável. Com uma lição para o vizinho do lado: mais vale esperar e, de facto, contratar-se de forma precisa e consoante as reais necessidades da equipa, do que andar a retirar do ficheiro do computador amostras infindáveis que, no fundo, até podem colmatar no imediato mas nunca se afiguram como pilar de desenvolvimento sustentável. Presente e futuro. Daí haver Gyokeres, daí rugir o leão.

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