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Benfica: politicamente falando

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Benfica: politicamente falando
Futebol 365

Dizem que “para os excecionalmente bons há sempre lugar”. A questão é que os excecionais custam muito dinheiro e não chegam à liga portuguesa no seu pináculo de rendimento. Por isso, nas contas do burgo português, passa a existir apenas uma alternativa: pescá-los no encalço do seu percurso evolutivo. Lapidá-los em conformidade. E depois vendê-los, fazendo da liga portuguesa um entreposto para outras paragens algo que, numa reflexão imediata, é compreensível mas, mais a montante, impede que se alcancem outros patamares competitivos a nível europeu.

Se o Benfica precisava de contratar um avançado? Dá sempre jeito, mas não necessariamente. É claro que as qualidades de Marcos Leonardo – sobretudo ao nível da finalização pronta e expedita – acrescentam uma tremenda mais-valia para qualquer equipa. E encaixam também no desenho de um Benfica que, fragilidades e modelo estanque à parte, é uma equipa que cria muito e não tem um avançado à altura para aquilo que cria, sobretudo se a este contexto for acrescentada a variável Rafa – que cria que se farta mas define mal. Ou, em bom português, joga muito mas falha golos à brava.

No entanto, para se compreender a contratação de Marcos Leonardo (18 milhões de euros não é propriamente uma pechincha) é necessário escavar um pouco mais. Olhando atentamente para os encarnados, quais os setores que carecem de novas soluções? E até de uma forma urgente? É certo que a tremenda qualidade individual de Aursnes quase que dá para tudo e tal provocou que a lateral direita nunca fosse um problema de grande envergadura. Mas também não é solução. Do outro lado, a mesinha de cabeceira é mais pontiaguda nas extremidades: porque Morato é sempre uma solução temporária, de emergência, que nem por sombras substitui aquilo que foi Grimaldo nem para lá se caminhará em face das características do próprio jogador. Ou seja, se há setor que o Benfica precisa de reforçar são as faixas laterais e, verificando-se as movimentações, tal também está a ser (e bem) tratado pela estrutura.

Para se resolver esta equação – o porquê de Marcos Leonardo e nesta altura – há que perceber toda a rota orbital que o Benfica atravessa. Que vem da temporada passada em que a liga foi conquistada “à rasquinha” depois de uma renovação do treinador tomada quase de forma consensual como fora do seu tempo; e de um contexto de presente temporada que, não sendo brilhante em termos internos, é pelo menos aceitável muito embora seja sofrível no plano europeu. No fundo, analisar todo o processo e definir um eixo de salvaguarda assente naquilo que o técnico tem dito de forma insistente. Para Schmidt, o problema está no facto de não marcarmos as oportunidades de que dispomos. Criámos muito mas desperdiçamos também muito. Moreirense e Braga e só para dar alguns exemplos mais recentes.

Schmidt sabe que a sua linha de frente também não está em cenário de calamidade. Se a Arthur Cabral falta enquadramento coletivo que se compagine com o seu talento individual, a Musa falta aquela pincelada mágica que o torne opção mais regular; e falta rastrear Tengstedt, que pressiona muito e tem faro de golo mas não é um Gonçalo Ramos que, logicamente, possuía o melhor destes três mundos e ainda acrescentava alguns pratos ao menu: como um exímio ataque à primeira bola - situação que, em termos de seleção por exemplo, permitiu que Portugal vencesse a Suiça no mundial com alguma facilidade.

Se a mensagem de Schmidt até pode ser sincera e coerente, também representa um perigo para o próprio. Se a equipa pode e deve ir mais longe e só não vai porque falta um avançado com faro de golo, então a direção faz um esforço e proporciona-te aquilo que precisas. Queres e tens sem discussão consequente. E, se não fores mais longe, não foi por culpa da direção: que te proporcionou aquilo que necessitavas no momento certo. E eis que se chega ao outro lado do apartamento. Onde está a poltrona da direção. Da estrutura. E a leitura política (inteligente) que foi desencadeada. Cientes de que Schmidt até tem qualidades, mas também acarreta dúvidas, nada como colocar pressão em torno do treinador e, no ocaso da estrada, construir as devidas escapatórias caso as coisas não corram de feição.

Num terceiro vértice, há a leitura relacionada com a qualidade individual da equipa do Benfica. Que é superior à dos seus rivais. E que, mesmo num cenário de menor solidez (leia-se também menor plasticidade) em termos coletivos, tem sempre argumentos para, na altura da verdade, fazer prevalecer a força e o talento dos craques de que dispõe. Isto porque a liga está muito equilibrada e assim promete ser até ao seu final. Por conseguinte, para além da afinação dos fatores individuais e do eixo coletivo, há sempre o turbo que pode ser adicionado ao bólide: o fator x. Dotar a equipa de elementos que, para além de serem efetivamente craques, consigam naquela altura mais periclitante sacar o tal coelho que está escondido dentro da cartola. Ao alcance de poucos.

Existe, naturalmente, a leitura emocional que surge no horizonte. Porque nem tudo é matemático e Marcos Leonardo é, ainda, muito jovem: nunca se poderá saber se, à semelhança do que aconteceu com David Carmo no FC Porto, vai ou não despontar uma nuvem em cima da sua cabeça que o possa eventualmente impedir de concretizar as esperanças nele depositadas. Seja como for, a quem assenta mesmo bem a palavra “depósito” é a Rui Costa. Se a liga for revalidada, é porque lá em casa tudo bem. Se correr mal, também não foi por culpa de uma direção que sempre o protegeu e dotou a equipa de forma robusta e em face das suas buzinadelas. No fundo, as estradas têm sempre dois sentidos e todos os caminhos vão dar ao futuro do Benfica.

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